“licht+licht”, cia. de ópera seca
A nova produção da Cia de Ópera Seca, que faz sua estreia nacional no Festival de Teatro de Curitiba, mostra Goethe em seu leito de morte ao pronunciar suas últimas palavras: “Licht, mehr Licht” (Luz, mais Luz). Em seu delírio, o autor alemão revê seus personagens (Fausto/Mephisto, Werther/Willelm Meister e Margarida/Charlotte). Depois de “Travesties”, de Tom Stoppard, sucesso no Festival de Curitiba em 2009 (link para minha postagem sobre Travesties naquele ano), esta é a segunda direção de Caetano Vilela para a companhia.
Criado em 1992, o evento encerra hoje sua 21ª edição com uma programação que ofereceu boas surpresas, como “Licht+Licht”, de Caetano Vilela, da Cia. de Ópera Seca (SP).
O Globo, 08/04/2012
Sons e ruídos que se confundem, vozes sussurradas (licht mehr licht mehr licht mehr licht…) eletrocardiograma, respiração, violinos, percussão… Abre a cortina
LUZ na penumbra, vê-se apenas um pequeno bonsai e em seguida o vulto de um homem recostado numa mesa.
SOM vai ficando cada vez mais alto e insuportável… corte seco.
OFF: – Nada mais sou do que um simples viajante, um andarilho que percorre a terra! E vocês … e vocês… quem são?
– A vida humana não passa de um sonho. Mais de uma pessoa já pensou isso. Essa impressão também me acompanha por toda parte. Quando vejo os estreitos limites da inteligência humana cujo único objetivo é prolongar a nossa mesquinha existência; e verifico que o nosso espírito só pode encontrar tranquilidade por meio de uma resignação povoada de sonhos… tudo isso me faz emudecer.
– Mas esse Deus, que poderá ele por mim? Devolver-me-á a juventude e a fé? Amaldiçoadas sejais, ó volúpias humanas! Amaldiçoadas sejam as correntes que me fazem rastejar nesta Terra! Amaldiçoado seja tudo o que nos ilude. A esperança vã que se escoa com a hora, os sonhos de amor ou de combate! Amaldiçoada seja a felicidade! Amaldiçoada seja a ciência! A fé e a oração! Amaldiçoada sejas, paciência! Venha a mim Satanás, a mim!
Charlotte: – Você não cumpriu a sua palavra!
Fausto: – Eu não te prometi nada… eu não te…
Charlotte: – Eu sou uma mulher honesta. Devotada a dedicação do meu marido Albert cujo amor e fidelidade eu conheço e não é segredo para ninguém que ele o tem em grande estima… e o ama como a um irmão, não é justo esta situação que…
Os métodos de encenação e os meios de produção do teatro, triturados por Caetano Vilela, jogam em cena Fausto, Mephisto, Meister, Hamlet, numa salada luminosa que explode a partir de zonas sombrias. Vilela parece se divertir, provocando a platéia com o que poderá intrigá-la até a irritação. Por meios transversos atinge a acomodação de quem assiste e de quem faz teatro, e detona o melhor que o Festival de Curitiba mostrou este ano.
Macksen Luiz, em http://macksenluiz.blogspot.com.br/2012/04/festivais.html?m=1
Link para fotos de Lenise Pinheiro, do blog Cacilda, para a Folha de São Paulo.
Link para fotos de Rubens Nemitz Jr, para a fotografia oficial do Festival de Curitiba.
– O que será desta peça? Fará sucesso junto ao público? Quanto tempo ficará em cartaz? Quantas vezes poderemos apresentá-la?
– Esqueçamos a mesquinhez do diretor e a miséria que nos paga, esqueçamos também a ingratidão do público que recompensa com aplausos sempre a pessoa errada. Faremos sucesso? Comentarão as nossas cenas nos cafés e nas tabernas? Será que encontramos o tom certo do verdadeiro teatro nacional? Devo confessar que fico apreensivo quando clamam por um teatro nacional, acredito que o folclore teutônico seja finito para tamanho clamor.
– Mas nós oferecemos a nossa contrapartida social à nação: A ARTE! O TEATRO! Minha contrapartida para a sociedade são as entranhas do próprio teatro, suas vísceras, seu sangue…
Goethe estava cego, num quarto, e pediu para o criado abrir a janela. “Luz, mais luz”, foi seu último pedido. Ele não pedia apenas luz, pedia conhecimento. Quando você ilumina, você descortina, você mostra. E esse mostrar e esconder, entre a sombra e a luz, é um processo de conhecimento. É isso que busco desde o começo da minha carreira. Eu sou um iluminador, e esse homem pede luz.
Caetano Vilela, no blog Conteúdo Livre
– Enquanto eu desejava elevar seus espíritos eles queriam que eu atingisse seus corações. Isso foi se tornando um fardo para mim, nada me atormentava mais que não poder encerrar-me em meu quarto…
– No meu camarim enquanto eu esperava cumprimentos sensatos à minha atuação e acreditava que elogiariam um autor que havia escolhido para interpretar lá vinham eles com estúpidos convites e sugestões de mal gosto de peças que eles queriam me ver representar…
– A exasperação já estava cegando a minha razão, eu poderia ter me matado; no entanto fui parar em outro extremo: casei-me, ou melhor, deixei que me casassem!
O espetáculo surgiu a partir de uma pesquisa de Vilela em torno da obra de Goethe, célebre autor do pré-romantismo alemão – movimento que defendeu a criação artística como expressão plena da subjetividade, a conexão com a natureza e a libertação de regras formais pré-estabelecidas. Na confecção de “Licht+Licht” – que desembarca em São Paulo nos dias 11 e 12 de abril, no Auditório Ibirapuera -, Vilela entrelaçou três obras: “Fausto”, “Os Sofrimentos do Jovem Werther” e “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister”. Ao evocar o romantismo do século XVIII, seu objetivo foi trazer à tona questões que permanecem atuais. “‘Wilhelm Meister’ é um livro de formação centrado num jovem que busca conhecimento através do teatro, abandona-o e passa a viver com os valores adquiridos – em especial, o papel do artista na sociedade e a postura ética. Goethe dizia que a contrapartida social que o artista deve dar é a própria arte.
Daniel Schenker, Valor Econômico, 04/04/12
Wagner: – O que eu queria dizer é que a luz não só está dentro de cada um, como acaba se identificando com o próprio sujeito.
Germano: – Infelizmente, constatamos que desde os tempos mais remotos os homens não fizeram progressos naturais nem nas artes nem em suas instituições civis, éticas e religiosas…
Fabi: – …antes, porém, logo se apoderaram de uma imitação não sentida, de uma falsa aplicação de experiências corretas, de uma tradição obscura, de uma procedência cômoda das gerações.
Germano: – Ora, o que interessa ao público boquiaberto…
Fabi: – … se pode ou não explicar por que estava boquiaberto não é mesmo?
Gilson Camargo mais uma vez registrou os passos da Cia. de Ópera Seca no Festival de Curitiba, pra variar conseguiu traduzir em imagens deslumbrantes todo o nosso trabalho. Obrigado querido!
Caetano Vilela, on a Facebook
CENA 7 – O FIM – evolução da percussão + leitmotif + fragmentos de Haydn
Levantam-se um por vez (Fabi, Germano e Wagner) e saem pelo guarda-roupa. Wagner fecha a janela antes de sair.
Evolução para final. Cama explode em luz.
CLIQUE E OUÇA – Where Is My Mind
Pixies
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Caetano Vilela durante a marcação de luz no dia da estréia, no Guairinha, em 04/04/2012.
À frente da Cia. de Ópera Seca desde 2008, o diretor Caetano Vilela diz estar mais preocupado em despertar a curiosidade intelectual do público em suas montagens do que qualquer outra coisa. Procura fazer isso num espetáculo completo, amarrando bem toda cenografia (som, luzes, coreografia) com a atuação dos personagens. “Toda minha direção depende da luz [iluminação]”, disse ele em entrevista coletiva nesta segunda-feira.
http://festivaldecuritiba.com.br/noticias/ver/65/Vilela_aborda_as_muitas_luzes_de_Goethe_em_Licht_Licht
Realização: Cia de Ópera Seca
Concepção, dramaturgia, encenação e iluminação: Caetano Vilela
Elenco: Fabiana Gugli, Germano Melo, Wagner Antônio
Assistente de Direção e Direção de Palco: Emerson Meneses
Assistente de Figurinos: Patrícia Sayuri Sato
Música originalmente composta: Edson Secco
Engenharia de som: Edson Secco
Figurino e direção de arte: Cássio Brasil
Produção SP: Artematriz Soluções Culturais
Fotografia: Gilson Camargo
9 de abril de 2012 às 10:00
Parabéns meu irmão…belas fotos!
9 de abril de 2012 às 11:43
Maravilha de registro. Novamente – como no registro do Festival passado – é possível assistir de fato a peça através da forma como vc organiza imagem e conteúdo.